terça-feira, 15 de julho de 2008

Corrupção dos políticos x "Jeitinho" brasileiro


É muito comum, aqui no Brasil, escutarmos frases como “todo político é ladrão”. Quase sempre há um tom de acusação de corrupção, quando se fala dos políticos de nosso país. Mas será que todos têm moral para falar nesse tom sobre nossos governantes? Gostaria de contar dois casos que me fizeram meditar sobre isso.

Em 2006, fiz um curso preparatório para obter a CNH em uma auto-escola e consegui habilitação como motorista na categoria “B”. Fiquei surpreso quando meu instrutor revelou-me que mais da metade das pessoas que passam na temida prova prática, “colaboraram” com um valor para os fiscais de prova. Ele disse que pessoas de todas as classes profissionais e níveis sociais fazem essa negociação para passar na prova. O valor é o mesmo, há anos, e é muito conhecido na cidade, como que uma “tradição”. Fiz uma pequena pesquisa com amigos e conhecidos e confirmei o que ele me disse.

O outro fato ocorreu quando fui fazer a foto para minha habilitação: dois homens da fila começaram a conversar. Foi então que um deles disparou: “uma vez eu ‘perdi’ pra um policial safado e pilantra”. Imaginei que ele fosse contar um ato corrupto do tal policial. Então ele disse: “estava com o IPVA vencido. Eu disse que daria R$150,00 pra ele. Você acredita que ele disse que não aceita essas coisas e tomou as devidas providências com meu carro? Mas que pilantra safado!”.

Esses dois casos me fizeram lembrar de quantos “gatos” de energia existem em nossa cidade, em todos os bairros. Lembrei dos que recebem aposentadorias por pessoas já falecidas. Lembrei dos que usam softwares piratas, usando os famosos “cracks”. Lembrei das carteiras cheias de dinheiro e cartões de crédito que são perdidas por aí e não são devolvidas. Lembrei dos que dão “carteiradas” em shows, cinemas e coletivos, com documento falso ou de terceiros. Lembrei dos que furam filas. Lembrei dos que usam um “jeitinho” para não pagar provedor de conteúdo em internet de banda larga.

Stephen Kanitz, mestre pela Harvard University e Articulista da Revista “Veja”, publicou um interessante estudo sobre a corrupção dos políticos no Brasil [1], apontando uma das causas específicas. Mas será que o problema do Brasil é apenas a corrupção no governo? De onde vem e para onde vai a corrupção? Por que muitos brasileiros falam tão mal dos políticos, mas praticam um ato corrupto na primeira oportunidade que aparece? Por que o brasileiro tem tanto orgulho do “jeitinho” brasileiro que é, muitas vezes, sinônimo de “corrupção do povão”?

Será que o deputado do PT, Neri Ferigolo, que disse à folha de S. Paulo que "Ninguém consegue ser 100% honesto."[2] tem razão? Será que já pensamos como ele, que se justificou dizendo que "Jesus Cristo era 100% honesto e, de repente, o prejudicaram"[2]?

Será que a corrupção está tão impregnada em nossa cultura, que chegou o dia que Rui Barbosa previu, em 1914, quando disse que “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”[3]?

A corrupção dos políticos deve, sim, ser criticada e combatida, mas para termos moral para fazer-lo, devemos fazer como ensinou a pessoa que foi citada por Néri Ferigolo como modelo de honestidade: “Por que olhas a palha que está no olho do teu irmão e não vês a trave que está no teu?”[4]



1 - Revista Veja, edição 1600, ano 32, nº 22/06/1999, página 21

2 - O Estado de São Paulo, 09/08/2006

3 - “O ano da Corrupção no Brasil”, Isaac Sayeg, 27/12/2005 / “Hoje tem marmelada?”, Luciana Mares, 08/05/2006.

4 - Bíblia Sagrada. Evangelho segundo Mateus. Capítulo 7, versículo 3.



Dá-lhe... Brasil?

Publicado no COMUNICADO (UNAMA) - Nº 1361 - Seção “Opinião” - 26/06/2006

Dá-lhe... Brasil?

Em época de copa do mundo, nosso país muda: as pessoas enfeitam as ruas, as casas, os ambientes de trabalho, seus carros, etc. Em nenhuma outra época se vê tantas pessoas vestindo o verde e amarelo. Mas, será que essa “febre” verde amarela é sinônimo de patriotismo?

É incontável o número de bandeiras do Brasil encontradas pelas ruas, carros e janelas nessa época. Infelizmente, também é incontável o número de bandeiras de cabeça para baixo. Ironicamente, a palavra escrita na bandeira é “ordem”. O que isso atesta então? Atesta que o aparente patriotismo (amor à pátria) na verdade é um amor à seleção brasileira de futebol.

Afirmo ser amor à seleção brasileira de futebol e não ao futebol brasileiro porque o sucesso de nossa seleção não significa que o futebol brasileiro anda bem. A imensa maioria(90%) dos jogadores de futebol ganha de 1 a 3 salários mínimos no Brasil [1]. Muitos clubes estão endividados. Muitos jovens atletas são humilhados e até vítimas de abuso sexual nas famosas “peneiras” do futebol amador. Empresários e cartolas corruptos enchem os bolsos em transações ilegais. Nossos campeonatos são de baixo nível porque nossos melhores jogadores vão cedo para o exterior e nossos estádios, em sua maioria, estão em péssimas condições. Dirigentes incompetentes e árbitros corruptos completam esse triste retrato do futebol brasileiro.

Afirmo ser amor à seleção brasileira de futebol e não ao Brasil porque o sucesso de nossa seleção não significa que o Brasil anda bem. A imensa maioria dos brasileiros vai encarar uma maca em um corredor de um pronto socorro lotado se sofrer um acidente grave. A imensa maioria dos jovens brasileiros teve uma educação muito ruim, pois estudou em escolas públicas. Cerca de 50 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha de pobreza (29,3% da população), recebendo menos de R$80,00 por mês [2]. Nosso país é o 62º mais corrupto [3]. Estamos em um país onde ninguém mais fica impressionado ao ver notícias sobre “mensalões”, “valeriodutos” e “PCC” dominando a maior cidade do país.

Pergunto então: Será que o grito de “dá-lhe Brasil” reflete um orgulho de ser brasileiro ou apenas o orgulho ter a seleção de futebol que temos? Será que a copa que parece tanto alegrar o coração possui o efeito colateral de fechar os olhos do brasileiro? Será que com olhos abertos para a realidade do país diríamos, com tanta facilidade, “dá-lhe Brasil”?


1 - Publicado na Folha de S. Paulo, de 29 de fevereiro de 2000.
2 - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, PNAD, de 96 a 99 divulgada pela FGV.
3 - Pesquisa de 2005, que é coordenada pela ONG Transparência Internacional.



Universidade do Futuro: Tecnologia x Professor

Publicado no JORNAL DO IESAM - Nº 46 - Seção “Voz do Aluno” - 11/12/2006

Universidade do Futuro: Tecnologia x Professor

É comum, hoje em dia, principalmente entre os profissionais das áreas tecnológicas, discutir sobre como a tecnologia vai substituir o ser humano nessa ou naquela função. E uma das funções que estão sob tal discussão é a do professor nas universidades. Estaria o docente com os dias contados na universidade do futuro?

A universidade é um lugar para o qual as pessoas vão em busca de conhecimento. Independentemente do tipo de universidade, o objetivo é sempre transmitir aos seus alunos os conhecimentos que eles almejavam ao ingressar nela. Para ser eficaz, a universidade deve saber o que fazer bem e que ferramentas usar.

O que fazer bem? Expor seus alunos a experiências, pesquisas e práticas relacionadas aos conteúdos programáticos das disciplinas. É infrutífero que a teoria seja dissecada para, só então (às vezes, nunca), partir para a prática.

Que ferramentas usar? A tecnologia, cada vez mais surpreendente, tem se tornado uma grande aliada para ajudar na missão de transmitir conhecimento. Sem dúvida, seu uso qualifica mais uma instituição de ensino. Todavia, a ferramenta mais importante de uma universidade chama-se PROFESSOR.

Bem escreveu o jornalista e educador Gilberto Dimenstein: “É um equivoco imaginar que a universidade do futuro será aquela que melhor lidar com as máquinas. Bobagem. A boa universidade será aquela que submeter seus alunos à maior quantidade possível de experimentações e pesquisas, nas quais o professor desempenhe o papel facilitador” [1].

Tomás de Aquino, grande teólogo e educador do século XIII, que é admirado e estudado até hoje, desenvolveu, em obras como sua suma teológica, uma teoria sobre o conhecimento que "convoca" a vontade e a iniciativa de cada um na direção do aperfeiçoamento, a qual legou à educação, sobretudo, a idéia de autodisciplina e de auto-aprendizado. Somente o professor é capaz de guiar o aluno sob tal filosofia. Por quê? Bem escreveu Tomás de Aquino: "É evidente que o homem não é só a alma, mas um composto de alma e de corpo" (I, 75, 4). Máquina nenhuma tem e nunca terá alma.

A informação se torna conhecimento quando é selecionada, analisada e assimilada. E é o bom professor, o único capaz de vencer as limitações de um frio computador para saber, com calor humano e sensibilidade, o que fazer para ajudar o aluno a selecionar, analisar e assimilar as informações, adquirindo, assim, conhecimento.

Os professores são um “divisor de águas” entre uma boa e uma má universidade, muito mais que a melhor das tecnologias, pois um ótimo docente (aquele que ama ensinar e o faz muito bem) é capaz de fazer com que os alunos nem percebam que as paredes são de compensado velho ou que o teto da sala sejam galhos de uma árvore, na qual o velho quadro negro está pendurado. O mau docente (aquele que não sabe e/ou não gosta de ensinar), minimiza até mesmo o valor de um laboratório com computadores de última geração.

Ser professor é uma vocação que afeta a totalidade da vida. Não é por acaso que ninguém diz: "Bom dia engenheiro", "Bom dia, encanador" etc., mas todos dizem: "Bom dia, professor".

Podemos então dizer, sem medo de errar, que na universidade do futuro, a tecnologia não será a substituta do professor, será apenas uma coadjuvante na sua missão de multiplicador do conhecimento.


1 – Gilberto Dimenstein - “O professor do futuro”. Publicado na Folha de São Paulo, em 05/08/2001.
Disponível em:
Acesso em 05 de julho de 2006.